Sapato 36 – Onde seu calo aperta?
- Luiz Totti
- 20 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Da série “lições que o Rock me ensinou”, a inspiração desse post veio da música homônima do grande Raul Seixas.
“Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto”

Raulzito sempre foi conhecido por sua rebeldia e letras irônicas e de protesto, e essa é mais uma delas. Mas, ao contrário do que a primeira impressão que a letra nos traz, a crítica não é ao sistema parental, ele não estava se referindo a seu pai de forma literal, mas ao sistema, de uma forma figurada. Para contextualizar, a música foi composta em 1977, Raul já com seus 32 anos, bem no ápice da censura e na aceleração da indústria no Brasil.
Havia muitos anos que eu não ouvia essa música até que, um desses dias, dirigindo para Cleveland, coloquei a playlist do Raul e essa foi, literalmente, a primeira música que tocou e acabei ficando com ela em looping por vários quilômetros. Cada vez que ouvia, uma nova analogia nascia em meus pensamentos, pois a letra cabe em absolutamente tudo, mas tudo mesmo, seja na vida pessoal, amorosa, corporativa, religiosa, social, estudantil... tudo! Em tudo o que te incomoda, você pode sentir o sapato apertando seu pé.
Mas meu foco aqui será o mundo corporativo e, principalmente, a carreira (sinta-se a vontade para mudar o contexto e substituir empresa/líder por professor, pai, mãe, namorada, esposo, etc, etc, etc... vai fazer sentido do mesmo jeito).
Mas, afinal, o que é ter que usar um sapato apertado todo santo dia, tirá-lo em casa e volar a apertar seu calo no dia seguinte? Simples, mas complexo: pode ser ter que fazer o que não gosta, o que não te inspira, o que não gera valor para você, como indivíduo; pode ser ter que aturar uma cultura organizacional incompatível com seus valores, um colega insuportável ou até mesmo um líder desmotivador. O sapato apertado é a metáfora daquela falta de vontade de fazer algo, como, por exemplo, ir ao trabalho (seja ele onde for, qual for) a cada amanhecer.
Quem nunca sentiu o calo apertado em um ambiente de trabalho, nunca teve uma carreira. Uma das coisas mais difíceis para uma liderança é manter as equipes motivadas e imbuídas do senso comum, em prol de uma meta comum, com o objetivo de atingir o bem comum. Há muitos interesses pessoais envolvidos e muita distração no meio do caminho, além da tradicional falta de comunicação, e isso gera muito, mas muito mais calos doídos do que você possa imaginar. Achar um tamanho de sapato certo para todo mundo todos os dias é uma tarefa impossível, pois o “sapato” corporativo pode, sim, mudar de tamanho e formas ao longo dos tempos mas, principalmente, os pés crescem, as ambições mudam e os sapatos se tornam pequenos... ou muito largos.
Não há solução milagrosa ou poção mágica e, ao contrário do que muitos possam pensar, é VOCÊ quem tem que buscar uma forma de não ter que usar um sapato apertado e, à liderança, cabe ouvir, entender, te apoiar e, sempre que possível, te ajudar. Mas como você reage diante dessas situações que te incomodam no dia a dia?
Se o seu sapato estiver apertando por que seu pé está crescendo muito mais rápido do que as oportunidades de carreira, é muito importante, deixar claro suas ambições à organização e ajustar, conjuntamente, os próximos passos. Quem não é visto não é lembrado e, se não é lembrado, o sapato continuará a apertar.
Se o calo apertar na relação doentia com um colega de trabalho ou com sua liderança, acesse as ferramentas internas listadas no código de Ética e faça o reporte. Não se cale, fale, quem cala consente e, calado, o único que sentirá a dor do calo apertado é você.
Se o problema for uma incompatibilidade entre seus valores pessoais e intocáveis e a cultura organizacional, faça um planejamento para buscar uma colocação em outra empresa cujos valores sejam alinhados aos seus mas, dessa vez, pesquise antes de aceitar. Errar é humano, mas persistir no erro.... é apertar o pé outra vez! Aliás, é exatamente isso que Raulzito sugere ao final da música Sapato 36:
“Pai eu já tô indo embora
Eu quero partir sem brigar
Já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar”
O importante, sempre, é fazer alguma coisa, e é VOCÊ quem tem que escolher o tamanho de seu sapato, ou seja, deve tomar a iniciativa de lacear o que você usa ou buscar um número maior, seja ele dentro da empresa ou em outra organização. Se essa for a decisão, faça-a de forma a manter uma boa relação e as portas abertas... o mundo dá muitas voltas. Como em outra lição que me ensinou o rock, “pedras que ficam paradas criam limbo”, e ficar parado, nesse caso, é matar sua carreira e seus sonhos, e, se você não sonha, não caminha. Assim como Raul metaforicamente também chega à mesma conclusão no final da música, fica aqui minha recomendação para vocês, meus amigos: escolha o seu próprio sapato!
Ah, mas antes de dar o laço e partir, duas coisinhas: 1) sapato muito largo pode ser ainda mais perigoso, pois você pode perder o equilíbrio muito fácil e o tombo pode ser muito feio, e 2) só vá embora quando tiver certeza de que tem em mãos um novo sapato ou que você tenha condições psicológicas e financeiras (esse válido principalmente na vida pessoal) para comprar um novo sapato enquanto busca por uma forma de se manter!
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