A pandemia e os paradigmas
- Luiz Totti
- 5 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
A pandemia mudou completamente a forma de liderar para muita gente. E colocou abaixo uma tonelada de paradigmas
Pegue todos aqueles seus livros sobre liderança, junte com aquelas apostilas de seu curso de especialização em gestão e os empilhe sobre todos os estudos de caso sobre liderança em tempos de crise e procure uma única passagem, uma estratégia, uma dica, um conselho que seja, sobre como liderar em uma combinação de pandemia global, risco de contágio altíssimo, recessão econômica, instabilidade social, tensão geopolítica e, tudo isso, de forma virtual e, basicamente, sem dados à disposição.
Com uma situação completamente inusitada, colocamos em questão praticamente todos os paradigmas que foram sendo amalgamados em nosso arcabouço mental a partir das vivências na vida diária, prática, do conhecimento acadêmico e do benchmarking e, claro, a partir das trocas de experiências com nossos líderes, pares e liderados. E isso nos deu, se não um mapa de navegação, pelo menos um GPS com o qual sabíamos a posição em que estávamos e, mais ou menos, a direção a seguir. Aí veio a pandemia e, com ela, frases e palavras novas: índice de contágio, isolamento social, distanciamento social, lockdown... Em questão de dias o ambiente que conhecíamos se desintegrou diante de nossos olhos, quase que como em um filme de Spielberg... pensando bem, acho que nem ele pensaria um roteiro assim.
Em Fevereiro eu li um artigo na HBR sobre as 7 tensões que os líderes emergentes deveriam navegar, tensões essas que debatiam sobre 7 paradigmas de liderança que os líderes do futuro precisariam abordar de uma forma diferente. Veja, em Fevereiro, ainda pouco se sabia e se falava sobre a pandemia, e o artigo era um estudo (interessantíssimo) sobre uma necessidade de adaptação a um novo mundo. Que desabaria um mês depois. Os autores discorriam sobre os seguintes pontos, chamando de “tradicionais” o estilo mais antiquado e “emergentes” para aquilo que será necessário no futuro (sempre ressaltando que o perfeito equilíbrio entre os dois estilos permitirá uma tomada de decisão mais assertiva), aos quais adiciono minha forma de ver a gestão em momentos pandêmicos como esse:
1 – O Especialista vs. o Aprendiz - O estilo tradicional, geralmente, traz uma especialidade que permitiu ascenção na carreira e chegar à posição de comando. Para desenvolver um estilo mais emergente, será necessário reconhecer que “nada sei” e se abrir ao aprendizado, principalmente no que se diz respeito ao mundo digital. Nessa pandemia, o estilo emergente deve ser ainda mais decisivo, e vou além: temos de “desaprender” nossas especialidades e construir outras para o “novo normal” que irá surgir em breve.
2 – Consistência vs. Adaptabilidade – O estilo tradicional se baseia uma forma de agir constante e sólida, ao passo que, para o futuro, uma maior flexibilidade será necessária, para se adaptar às constantes mudanças do mundo, com alterações de rumos e mudanças de opinião. Uma vez mais, no momento pandêmico a adaptabilidade do estilo emergente é mandatória, forçada da noite para o dia por absoluta falta de opções. Mas aqui entendo que é absolutamente crítico ser consistente nas tomadas de decisões, principalmente nas que podem afetar a saúde de nossos colegas de trabalho ou comprometer o caixa da empresa. Portanto, empate!
3 – Tático vs. Visionário – o estilo tradicional se baseia em planos bem montados e com objetivos muito claros, ao passo que o emergente segue uma visão, sem que seja necessário ter um roadmap bem definido. Para início de conversa, a pandemia triturou todo e qualquer tipo de planejamento, então toda a tática está, hoje, amassada em algum cesto de lixo. Simplesmente não há dados suficientes para se construir um plano sólido, vivemos um dia após o outro e, por isso, aqui o emergente ganha de goleada, pois é justamente acreditar em uma visão de longo prazo que nos levará a sair mais fortes dessa situação.
4 – O Diretivo vs. o Ouvinte – A gestão participativa, onde todos podem ter sua voz ouvida é o que será necessário para o futuro, em contraposição ao estilo tradicionalista de uma mensagem “top-down”, com o líder máximo ditando o que deve ser feito. Eu sou absolutamente favorável, e aplico no meu dia a dia, a liderança participativa, ouvindo feed backs, coletando ideias e, muitas vezes, mudando meu ponto de vista baseado no que o time me diz. Porém, em momentos de crise e de mudanças absolutamente rápidas, talvez não haja tempo suficiente para uma discussão aprofundada sobre decisões a serem tomadas e, portanto, uma volta ao estilo tradicional acaba sendo forçada.
5 – Controle vs. Delegação – Quando se trata de poder, o estilo tradicional gosta de ter absoluto controle sobre tudo, é uma forma de não sentir ameaças. O estilo emergente já chama para um processo de delegar muito mais ativo, como forma de desenvolver e dar habilidades no processo decisório de sua equipe. Eu sempre deleguei, talvez até demais, em certos casos, mas confesso que, durante a pandemia, segurei um pouco mais as rédeas com minhas próprias mãos com o objetivo de proteger nossas equipes e garantir que estaremos todos juntos, e saudáveis, para a retomada.
6 – Intuitivo vs. Analista – De acordo com o estudo, o estilo tradicional toma muitas decisões baseadas em intuição e, na visão do estilo emergente, mais propenso a cometer erros, que podem ser controlados através da análise de dados. Aqui o estilo emergente é pulverizado na pandemia, simplesmente pelo fato de que não há dados confiáveis disponíveis em qualquer setor (lembre-se de memória quantas projeções diferentes do PIB de 2020 vocês já ouviram nos últimos 3 meses). Deixa passar essa onda para trazermos a intuição de volta.
7 – Perfeccionismo vs. Velocidade – O futuro demandará lançamentos e mudanças absurdamente rápidas, o que não permitirá tanta demora em se realizar lançamentos e/ou fazer mudanças, sob a pena de perder o momento. No modelo tradicional, os líderes tendiam muito mais a investir mais tempo em planejamento e testes para chegar o mais próximo da perfeição, não se é permitido errar! Durante a pandemia não temos escolhas: ou tomamos decisões rápidas ou erramos, não temos escolhas. Mas o pior de tudo é que não podemos errar e talvez esteja, aqui, a maior fonte de stress dos líderes nesse período de pandemia.
Como se vê, nenhum paradigma serve para esse momento, todos são ou ultrapassados ou inviáveis, estamos aprendendo o passo a passo na base da tentativa que não pode ter erro, e construindo um novo paradigma que, esperemos, ajude as gerações futuras a se sair melhor caso (bate na madeira 3 vezes) outra situação como essa ocorra novamente. Um dos únicos paradigmas que permanece firme e forte é o fator humano como ferramenta de superar crises: é nossa união, é nossa resiliência, trabalho em equipe e, principalmente, a diversidade que nos fará mais fortes. Cuidemos uns dos outros, foquemos no que é urgente e deixemos os conflitos e intrigas para lá. Depois a gente briga e resolve!
E para vocês, qual o paradigma quebrado que mais os estressou ou estressa?
Comments